Chegou a hora de conversar sobre estupro
Essa semana completa um ano que comecei a fazer terapia. Decidi que em algum momento eu ia ter que colocar isso pra fora. Nunca é fácil falar sobre isso. Não é uma coisa que você joga na roda e debate com seus amigos. Não é uma coisa que você conversa com sua família ou mesmo que você fala na terapia. Simplesmente não existe um bom momento para falar sobre isso. Mas faz dias que não durmo e essa coisa me assombra. Não foi nada que vi em um filme de terror, não é nada que consigo conceber de maneira literal. É um sentimento, um sentimento que achei que ia passar com o tempo e não passou. Essas memórias vem a tona em momentos diversos, sabe? Uma vez eu estava no metrô e alguém me puxou pelo braço e a única reação que tive foi sentar no chão e chorar. Não dá pra explicar.
Essas coisas aconteceram entre 2005 e 2006. Eu tinha 11 anos, claramente eu não estava entendendo o que estava acontecendo. Vamos chamar de “brincadeira”. Um adulto me chamou para “brincar”. A brincadeira era assim: A gente fica pelado e pega um no brinquedo do outro. A primeira vez que brincamos ele pediu para eu colocar o brinquedo dele na boca e em uma sequência não muito longa de vais-e-vens ele ejaculou na minha boca. Ele me disse que essa brincadeira era secreta e que eu não deveria contar para mais ninguém sobre ela. Assim por algumas semanas.
Depois uma nova “brincadeira” foi estabelecida. O adulto começou com uma mania de assistir pessoas “brincando” na TV enquanto apalpava a minha retaguarda ou enquanto eu fazia uma “massagem com a boca” até o momento da ejaculação. Esse tipo de “brincadeira” durou uns 4 ou 5 dias. Até que um novo ciclo de “brincadeiras” foi estabelecido. Talvez me falte uma palavra para descrever com exatidão essa “brincadeira”. Acho que roçar possa ser o mais próximo da descrição sobre o movimento. Pense em um “brincadeira” heterossexual sem penetração. Ele “brincava” de roçar o seu brinquedo enquanto me deixava de costas e segurava meus braços para que não me afastasse. De maneira não muito agressiva ele aproximava seu rosto em minha nuca enquanto segurava meus braços e grunia de prazer.
Assim foram dois dias até a “brincadeira” de verdade começar. Eu andei de skate por anos e quebrei vários ossos, mas não lembro de ter sentido uma dor tão grande como senti aquele dia. Mas chorei calado. As lágrimas escorreram, mas não fiz absolutamente nenhum barulho. Eu não consigo me lembrar de nada da primeira vez. É um misto de um escuro absoluto e com muita dor. Até hoje ainda consigo “sentir” esse momento. Os meus braços sendo segurados com força e uma dor que nos dias de hoje eu não suportaria. “Entrou”, foi o que ouvi. Isso aconteceu mais uma vez, depois de um certo tempo e eu literalmente não tenho estômago para falar sobre isso.
…
Nunca tive uma proximidade grande com meus pais, caso você ainda não tenha se perguntado sobre isso. O adulto a qual me refiro era a pessoa em quem eu mais confiava quando criança, talvez a pessoa mais próxima de mim durante muitos anos. Não achava que tinha problemas em “brincar”, na realidade e nem sabia o que estava fazendo. O preço disso foi cobrado anos mais tarde, sim, levei anos para entender o que tinha acontecido naquele período.
Durante minha adolescência eu tentei cavar isso o mais fundo que pude, na verdade durante parte da minha fase adulta também. Mas isso tem me corroído, de tal formar que não sei explicar. Tem semanas em que não consigo por um dia sequer tirar essas memórias de dentro da minha cabeça. As vezes tenho movimentos involuntários quando vejo alguém que se parece o adulto da história. Eu tenho vontade de correr, de chorar. De fazer qualquer coisa para que eu possa desaparecer o mais rápido possível. Faz dias que não durmo pensando nisso. Talvez colocar pra fora me ajude. Talvez não, mais isso não faz diferença.
Fora toda essa frustração esse sentimento escroto que nunca desaparece, conforme o tempo vai passando eu vejo crianças. Filhos de amigos meus, meus irmãos, as crianças da minha família, crianças na rua e me faço uma série de questionamentos que não fazem sentido. É complicado entender uma mente doentia como a do adulto.
Antes que eu me rebaixe a dizer palavras de baixo calão, usar de um vocabulário sujo eu vou parar.
Força pra nós ❤