meus sinceros pedidos de perdão
Eu não sou homem pra você. Talvez esse texto todo só precise de uma frase. Mas, talvez, eu precise ser bem mais prolixo, é de praxe, você sabe. Eu falo muito, não tem como você fingir que não sabe.
Não sei por que essas coisas acontecem comigo. Eu tenho um sentimento estúpido reprimido que me faz querer fugir das coisas. Meu histórico de relacionamentos é bem grande e maior do que esse tamanho, talvez seja a frustração que carrego deles junto comigo e vai chegando uma hora em que a gente tem que se olhar no espelho e parar com o “não deu certo” ou talvez o clássico “a gente era bem diferente”. Eu sou um boçal mesmo, mas meu terapeuta vai dizer que isso é uma construção do meu ego em relação ao quadro que me foi apresentado durante a infância. Maldito seja Freud. Talvez o fato de reconhecer tudo isso já seja um grande passo. Mas isso me dá a impressão de que a história não é tão “platônica” assim. Não existe um “ideal”, o cume da honestidade consigo. Eu tenho um certo tipo de inveja dessas pessoas que se conhecem, que se “controlam”. Eu nunca aprendi a ser assim. Na verdade, até um tempo atrás eu não sabia que existiam pessoas assim. Com objetivos, com honestidade em relação aos seus próprios pensamentos e sentimentos. Isso é um pouco novo pra mim. Geralmente, a gente “empurra com a barriga” e vai seguindo para ver o que acontece. Talvez meu terapeuta esteja mesmo certo. Até alguns poucos anos atrás, eu não tinha um emprego “de verdade” e nenhuma perspectiva de “futuro”. Na verdade, eu nunca me importei com isso. Seria meio clichê jovem dizer “não chego aos 30”? Já pensei bastante isso. Na real, eu nunca esperei muita coisa de nada. Nós que crescemos na periferia, em grande parte, compartilhamos um sentimento meio negativista da vida e também não é para menos. Quem de nós vai chegar em algum lugar? Vou me planejar para ter uma vida regada a trabalho braçal e mal remunerado? Não dá pra esperar nada, vai ser uma “bosta” de qualquer jeito.
Um tempo atrás, eu dei uma palestra sobre qualquer coisa e abri ela falando sobre “flow”. O fantástico estado da mente onde seus desafios e habilidades se cruzam. Me senti um vira-lata falando sobre aquilo. Como você avança na pirâmide das necessidades sem o básico? Toda vez que caminho até a terapia, eu penso nisso. Isso vem acompanhado com uma frase icônica e repetida infinitas vezes pelo meu pai. “Psicólogo é coisa de rico”. Se me permite incluir aqui também um “parafraseamento” do tapete vermelho: “Felicidade de pobre é um prato cheio”. Realmente, se usarmos Maslow como base, a estima está bem distante da fisiologia.
Se for seguir à risca tudo isso, talvez faça sentido a racionalização do ser “cuzão” com tudo. Não ter nenhuma perspectiva de futuro faz com que os sentimentos sejam deixados de lado durante a maior parte do tempo. Você acorda cedo e toma uma surra da cidade cinza no ônibus lotado e depois algum “empresario” vai te ordenhar até você não aguentar mais. Aí, é claro, tem a volta pra casa, que é pior que a ida. Em que momento a gente se conecta com o “eu” e faz grandes reflexões sobre nosso estado mental? Não vai rolar, talvez role, mas é babando na cama.
Ainda acompanhado desse sentimento vem a “meritocracia”, se eu trabalhar um pouco mais, acordar um pouco mais cedo, dormir um pouco mais tarde. Isso é um ciclo vicioso e eu fui criado nele. Nossa, dando razão ao meu terapeuta? Ele ficaria orgulhoso.
Bom, eu disse que ia ser prolixo ao ponto de me perder do rumo inicial. Mas é isso, eu nunca tive um momento como esse. Um momento em que pudesse parar para refletir em como tenho me comportado em relação a mim mesmo, aos meus objetivos e aos meus sentimentos. Mas tenho a impressão de estar justificando algo, racionalizando de mais ou até quem sabe vitimizando. Isso tudo, quando olho pra mim, é o que consigo pensar por trás dos sumiços, das mentiras, da distância, do excesso de drogas. Mas parece que esse texto é mais sobre a regência insubstancial do caráter na formação do sujeito. Parece dissimulação, mas na realidade eu ainda não sei. Eu nunca tive um tempo sóbrio para refletir sobre os meus sentimentos, como tenho agora. Parece meio “lacaniano” pensar em mim como o Outro do reflexo de mim mesmo. Mas parece que nessa viagem dentro de mim ainda tenho outros caminhos para percorrer, mais perspectivas para me olhar. Talvez quem sabe eu consiga achar justificativas melhores para esse caráter distorcido, esse medo que não passa de “me dar” para a vida, essa vontade incontrolável de contar pequenas mentiras para parecer mais “cool”.
A verdade com V maiúsculo desse texto é que eu estou tentando. Estou olhando mais pra mim, criando um certo “orgulho” do que construí até aqui. Tentando ter um pouco menos de vergonha da pessoa que eu sou. Tentando ser menos vira-lata. Estou tentando acreditar que existe uma perspectiva de futuro e que nesse futuro eu posso não estar sozinho. O problema é que isso leva um certo tempo e é um esforço grande para errar menos.
Estou tentado.