Python, 42 e vida adulta
Sério, você não precisa ler esse texto. Ele foi feito em maneira de desabafo sobre coisas que venho guardando a um certo tempo, meio que entaladas na minha garganta.
Bom… Não diga que não avisei depois.
faz um pouco mais de 5 anos que a minha faculdade entrou em greve e me sentei ao lado do grande mestre Luciano Ramalho quando ele me explicou algumas poucas, mas importantes, linhas de código no garoa hacker clube. A galera estava reunida pra escrever o Pingo. Confesso que eu já tinha tentado escrever algumas linhas de Python em casa, mas você sabe como são as pessoas. “Python? Você deveria estar aprendendo Java. Isso sim vai te dar um emprego”
Bom… Emprego? Eu nunca quis ter um emprego. Para você que ainda não está inserido nesse mundo, aqui vai uma breve explicação do que é um emprego na área de TI (embora essa papo vá ficar pra outra hora):
Pessoas tristes que não sentem tesão pelo que fazem e precisam pagar contas
Segui estudando Python… Sério, era mágico (ainda é). Parecia que tudo fluía, eu conseguia expressar minha ideias em formato de código. Não tinha que esperar nada compilar… era fail fast, errou o interpretador me avisava e eu ia lá e corrigia. Simples assim. Eu não entendia NADA sobre programação, mas eu achava que entendia. Hoje vejo tantas tardes que perdi no meu pentium III tentando fazer bashs imensos pra conectar na internet discada e sinto até frio na espinha. Mas parecia que com Python as coisas fluíam bem, bem até de mais. A minha vida tomou um rumo meio estranho depois de tudo isso. Eu passava 5/6 horas do dia estudando Python. Eu queria saber fazer TUDO. Realmente aprendi muita coisa, eu tinha tempo livre, vontade de automatizar tarefas, fazer tudo que me mandavam fazer na faculdade em 10 linhas porque era possível de fazer em Python. Me tornei realmente proficiente em Python. Eu não conseguia mais escrever uma linha de código que não fosse em Python. Sabe aquela aulas de OO que você tem que usar um Java feio e com classes totalmente monolíticas? Eu estava só esperando chegar em casa pra refazer tudo em Python…
Parece que toda vez que alguém falava de programação eu fazia questão de colocar Python no meio, eu estava completamente apaixonado. Isso melhorou minhas notas, fez parte da minha IC, estava no meu TCC. Sério, Python estava em todo lugar. Comecei a frequentar os meetups, ir em todo tipo de evento. Eu conheci MUITA gente. E sabe o que era mais legal em tudo isso? Todas as pessoas estava tão apaixonadas quanto eu. Todo mundo estava lá pra falar de Python, pra programar Python, todos viviam de Python. E isso só me motivou mais pra estudar 5/6 horas de programação todos os dias. Eu era de fato um programador na minha bolha. Lembro de poucas coisas na minha vida, claro que sou apenas um jovem ainda, que me impactaram tanto.
Com isso, várias mudanças foram acontecendo dentro de mim, positivamente, claro. Mas no meio disso tiveram algumas coisas que tiveram fizeram grande diferença. Vou contar algumas dessas experiências. Acho que a maior delas, talvez tão grande quanto conhecer o projeto GNU, foi quando reencontrei o Ramalho pela primeira vez. Estava eu lá, a pessoa pirilampa que sou em um meetup em São Paulo, essa foi a primeira vez que palestrei também, e fui falar com o Luciano e ele fui super gentil, como sempre, mas ele não me reconheceu. Segui a conversa como se fosse a primeira vez que tivéssemos nos encontrado. Afinal, pra mim era um grande prazer estar ao lado dele mais uma vez. Mas confesso que passei dias pensando nisso. Eu tinha ido vários dias aos encontros do Pingo e ele nem mesmo me reconheceu… Foi quando me caiu a ficha que muito pelo contrário, eu não era uma pessoa insignificante, ele teria sentado e ensinado Python pra qualquer outra pessoa. Eu entrei meio que êxtase. Tá aí, isso é a comunidade
Você para tudo que está fazendo e vai ajudar, aquilo pode mudar a vida das pessoas
Eu já falava sobre Python o dia todo, eu já escrevia código o dia todo, eu já estudava o dia todo. Qual seria o problema em compartilhar tudo aquilo que eu já sei? Isso foi em 2014/2015, não me lembro ao certo. Passei a ser mais ativo online e tento colaborar o máximo possível. Montamos um grupo de estudo de python e criptografia na faculdade, apaixonei outras pessoas e venho tentando fazer isso sempre que possível, isso virou meio que uma rotina. Qualquer dúvida, estou lá, pronto pra ajudar. As vezes eu também não sei a resposta, mas estou lá, sempre tentando dar uma moral. Tive ótimos momentos falando sobre Python em geral.
A segunda pancada veio em 2016 quando meu pai me disse que o “patrocínio” estava perto do fim. (Sério, eu não estava pensando em ter um emprego). Bom, não tinha problema, eu era um “programador iniciante mediano”. Não parecia ser tão complicado arrumar um emprego, afinal, “Área de tecnologia, sempre emergente”, como todo mundo diz. Só que eu queria programar PYTHON, eu me recusei a achar outras coisas. Burrice? hoje vejo que sim. Maaaaaaassssss, cidade pequena, do interior de SP, tinham várias vagas…. Suporte, Cobol, Delphi, Java… E o Python? Cadê? NADA. Foi quando pipocou uma vaga próximo a Campinas, teria que acordar 5am, mas Python é Python, então eu fui, me candidatei, eles me enviaram um teste, foi simples, por sinal. Algumas etapas a mais e eu estava dentro. E por dentro eu estava mais ou menos assim:

Vulgo: Quebrando tudo
Até chegar no primeiro dia e ter board, scrum, pessoas diferente e que não tinham 1/10 da paixão pela linguagem que eu tinha construído nos últimos anos. Sério, as pessoas que entram nos meetups por engano gostavam mais de Python do que as pessoas que trabalhavam comigo. Era um sistema legado, em python 2, com uma manutenibilidade de código abaixo de zero e complexidade ciclomática crescendo mais rápido que a velocidade da luz. Eu era, sou ainda, muito, mas MUITO teimoso. Nos primeiros dias eu só queria chorar. “Como pode essa galera com anos de experiência fazendo um código tão merda”, eu só conseguia pensar isso. Depois disso, eu fui entrando em estado de aceitação. Sério, eu estava tentando não chorar todo dia quando ia fumar um cigarro. Mas os dias foram passando e você passa mais tempo com as pessoas que trabalham com você do que passa com as que moram com você. Então, é inevitável fazer amizades. Se você não tem amigos no trabalho, você está fazendo algo errado, juro. Eles nunca tinha dado risada importando “antigravity”, eles nunca tinham assistido nem se quer um episódio de Monty python. Era um time legal, unido, eles só não era culturalmente pythonistas.
Juro que essa foi uma das fases mais legais do trabalho, eles me ensinavam sobre os produtos, sobre os processos e eu devolvia com “Pythonic style”. As semanas foram passando, muitas conversas com a minha chefe. Decidimos isolar algumas pessoas e começar tudo lindamente legal. Com Python 3, com código que semanticamente não parecia outra linguagem. Sério, ninguém mais estava aguentando ver aquele código legado depois de um tempo. Sabe, o time estava contente por estar tomando suas decisões de design, sobre as padronizações de código, sobre olhar a qualidade do código. Antes as pessoas só estavam ali, elas estavam carregando nas costas projetos que elas não começaram, com arquiteturas que ninguém tinha escolhido, com padronizações que não faziam sentido. Junto com o estilo pythonico veio a amizade, o sentimento de pertencimento, todo mundo estava fazendo o que tinha que fazer, do mesmo modo que antes, mas sentindo prazer e sabendo explicar por que determinadas coisas estavam assim e não assado. O time estava integrado, falando python, pensando python, vivendo Python. O pessoal nunca tinha ido a um evento, eles não tinham contato com a comunidade. Fizemos um meetup de python na empresa, fomos à Python Brasil.
Descobri depois de um tempo que todas aquelas coisas que eu não tinha aprendido na faculdade sobre desenvolvimento ágil, testes automatizados, processos, como se comportar em ambientes corporativos, valia pra todo time. A faculdade, o técnico, os cursos, eles tinham me ensinado muita coisa sobre como ser um “bom escrevedor de códigos”. Mas as coisas que aprendi com o senhor Ricardinho (Richard Stallman) e com a comunidade de software livre são mais importantes do que qualquer bloco ultra mega blaster elaborado de código. Vale relembrar o slogan das últimas Python Brasil
Pessoas > Tecnologia
Fiz amigos, mudei muitas das minhas ideias sobre trabalho. Mas realmente estava desgastante, eu só estava pensando em trabalho, claro, tudo estava legal de mais. Mas eu estava dedicando pouco tempo a “ensinar o que sei” fora de lá. No ano passado, em maio, eu estava “meio desocupado” em uma quarta feira e só queria falar de código, sem pensar em nada, eu não queria pensar em sprints, entregas, trabalho. As coisas estavam virando uma só, code=trabalho. Postei no facebook um simples “Que tal a gente fazer uma live falando sobre Python”, era uma quarta-feira, a galera abraçou. Não falamos de nada importante, nem necessariamente relevante. Mas combinamos de nos encontrar na quarta seguinte pra falar sobre um assunto específico e assim nasceu a Live de Python. Eu não tinha nada, além de vontade de falar sobre Python. O dia era meio ruim, mudamos pra segunda. E faz mais de um ano que fazemos live codes. Eu passo horas e mais horas pesquisando sobre o assunto, monto um material e a gente faz uma espécie de sala de aula online.
Eu nunca pensei que isso pudesse ter um impacto tão positivo na minha vida. As vezes eu fico puto, as vezes eu só quero procrastinar. Mas toda segunda tem live. Descobri uma coisa dentro de mim que eu já sabia. Eu gostava de ensinar. Claro, não tenho formação pra isso, mas tenho MUITA vontade de ensinar, as vezes eu aprendo os temas, só pra ensinar. E faz algum tempo que venho pensando nisso, mas talvez nunca tenha tentado explicar, vou tentar…
“Cara, olha o impacto que isso tem na vida das pessoas”. Um ambiente totalmente hostil, o mundo não é inclusivo, as pessoas querem cobrar por tudo, as pessoas não querem ajudar ninguém. Como uma live de programação pode ter impacto positivo sobre qualquer coisa? Lembrei de novo das pessoas, estamos nos conectando, falando sobre coisas que gostamos e todo mundo está aprendendo. Isso é meio que um hack, usar uma plataforma que só visa lucro pra ensinar de graça, propagar conhecimento distribuído, que você pode consumir como quiser, quando puder. Isso é totalmente o contrário do que “me ensinaram” a vida toda. Não é necessário um super diploma pra ensinar, não é preciso uma sala de aula pra aprender. Pô, a gente pode fazer isso tomando coca e rindo. A gente pode fazer piada, a gente é livre pra aprender o que quiser e pra chegar onde quiser. É tudo muito confuso dentro da minha cabeça quando penso nisso. Mas se não fosse um maluco (Guido) que tivesse a ideia de materializar tudo isso a um tempo atrás, não teríamos a comunidade que temos, nós não seriamos amigos, pelo que iríamos nos apaixonar? Quem nós seriamos hoje?
Parece que com o passar do tempo tomamos algumas decisões erradas, as coisas poderiam ser sim diferentes. Mas, quando paro pra pensar nas coisas, gostaria que elas fossem exatamente iguais.
E você, já se apaixonou por Python hoje?
Se você chegou até aqui, esse é só um punhado de ideias jogadas na internet, são pensamentos sobre a minha vida, o universo e tudo mais. Se precisar de um amigo, um abraço, uma ajudinha com código. Nós estamos sempre por aqui ❤
